quinta-feira, 9 de agosto de 2012



O presente texto tem como objetivo analisar a certificação com o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) no Brasil e na Bahia desde 2009, instituído pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – (INEP), em 1998, para ser aplicado aos alunos concluintes e aos egressos deste nível de ensino.

Foi usada como parâmetro a Portaria Normativa no. 16, de 27 de julho de 2011 do Ministério da Educação que dispõe sobre certificação no nível de conclusão do Ensino Médio ou Declaração de proficiência com base no ENEM.

Trabalhando como professora no Centro Estadual de Educação de Adultos- CEA, que é uma escola da rede pública de Salvador na Bahia no Brasil, com certificação de alunos no nível de conclusão de ensino fundamental e médio, percebemos, ao longo de doze anos nesta instituição, que cada vez mais os concluintes se sentem pressionados pelo mercado de trabalho, pelo vestibular e pelo ENEM, a ter um excepcional desempenho em um emaranhado de provas sobre todos os assuntos, em dias e horários que às vezes, não lhe são convenientes e, por conseguinte não estão alcançando as médias exigidas.

Foi observado também que o novo processo é constituído de questões mais analíticas e num contexto mais integrado. Nesse caso o aluno precisa refletir mais, fazer inferências e buscar correlacionar assuntos. No entanto, o ENEM ainda não é a excelência em avaliação. São provas muito cansativas, e consideradas um “teste de resistência” por grande parte dos educadores, o exame é composto de quatro provas com associação entre conteúdos, competências e habilidades básicas próprias ao jovem e jovem adulto na fase de desenvolvimento cognitivo e social, com quarenta e cinco questões cada e, em 2011, poderá ser usado como ingresso em dezenas de universidades em todos os estados do país.

A aplicação do exame é feita em dois dias, e os candidatos tem no primeiro dia, quatro horas e meia para resolver as questões de ciências da natureza e ciências humanas. No dia seguinte, a prova terá duração de cinco horas e meia e, além de contemplar 90 questões de linguagens, códigos e suas tecnologias (português e língua estrangeira) e matemática, inclui-se a redação.

Surge então a questão: de que adianta as propostas e discussões sobre mudanças no ensino médio elaboradas pelo Governo Federal, se ao final o aluno terá que decidir o seu futuro por meio de uma prova?

Na década de 1990, houve no Brasil muitas mudanças no campo educacional, como por exemplo, a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB-9394/96) que introduziu importantes inovações conceituais e organizacionais no sistema educacional brasileiro, e o surgimento dos PCN’s para o Ensino Fundamental e Médio. Neste âmbito, surge o ENEM, aplicado pela primeira vez em 1998, com o principal objetivo de avaliar o desempenho dos estudantes brasileiros ao término da educação básica e o desenvolvimento das competências fundamentais para o exercício da cidadania.

Nesse período o ensino médio, ganha uma nova identidade como etapa conclusiva da educação básica, recebendo a atribuição de preparar o aluno para o prosseguimento de estudos, a inserção no mundo do trabalho e a participação plena na sociedade. (LDB-9394/96)

A estrutura conceitual de avaliação do ENEM, delineada no Documento Básico de 1998, que definiu as suas características gerais, foi se aprimorando e consolidando a cada aplicação do exame, sem, contudo, afastar-se dos fundamentos estabelecidos na concepção original de acordo com o Ministério de Educação e Cultura – MEC.

A base epistemológica do ENEM tem como principal fundamento o conceito de cidadania, dentro de uma visão pedagógica democrática que preconiza a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.

Como já dizia Paulo Freire no seu livro Pedagogia da Autonomia, (2000 p. 33) “Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos”, uma vez que os mesmos chegam à escola com estes saberes socialmente construídos na sua prática diária e muitas vezes não é discutido em relação ao ensino dos conteúdos, e a sua realidade concreta.

Sabendo que ensinar é um ato que exige criticidade e ética, pergunto: o que está acontecendo com a escola que se esquece do respeito, da ética para com seu aluno?

Nesse contexto surge a figura do educador como mediador de prática educativa e pedagógica. A prática educativa e a prática pedagógica, por si, já fazem mediações: elas são meios pelos quais a estética (arte e espiritualidade), a ética (cultura axiológica de uma comunidade) e a ciência (conhecimentos objetivamente constituídos) chegam aos educandos.

É observado na prática escolar que a mesma recebe influências de todos os meios de comunicação, transferindo para ela a responsabilidade de refletir sobre a realidade e criticá-la por isso tornou-se necessário fazer com que a escola enquanto instituição faça valer o seu papel, estabelecendo, assim, uma relação prazerosa entre o conhecimento e o saber, desenvolvendo a comunicação e o pensamento crítico, para levar o educando a resolver situações problemas, num processo dinâmico de construção do seu conhecimento.

No entanto o que é visto foge da realidade da grande maioria das escolas e se percebe que as aulas ainda hoje na rede públicas baianas são consideradas rasas, desinteressantes e neste contexto, ressalta-se o que fala o professor Cipriano Carlos Luckesi (2006) quando perguntado sobre o que ele pensa a respeito de alguns teóricos acreditarem que os currículos das escolas de ensino médio ter sido proposto para atender a massificação do ensino e neste sentido ele critica a postura dos professores quando diz que a distorção não está no currículo e sim na concepção pedagógica assumida pelos educadores,

A educação foi instituída para “formar o educando e o cidadão” e não para cumprir o currículo; contudo, os educadores centram sua atenção no currículo e esquecem o educando. O currículo é um dos recursos necessários a ser utilizado pelo educador para que o educando aprenda e, por aprender, se desenvolva como sujeito e como cidadão. Cumprir o currículo não cumpre a finalidade da educação; ao contrário distorce a sua finalidade. O currículo é necessário, mas a serviço da formação do educando. O que massifica não é o currículo em si, mas sim o seu privilegiamento por sobre o educando, que é o centro da atenção do ato educativo. Então, nós educadores necessitamos de colocar nossa atenção no educando e nos servirmos do currículo como recurso mediador da aprendizagem e do desenvolvimento; e não o contrário o educando a serviço do currículo. Se assim agirmos, do ponto de vista pedagógico, a massificação desaparece, na medida em que será o indivíduo o foco de nossa ação educativa.

Sendo assim os professores se tornam incapazes de preparar os estudantes do século XXI para disputar espaço em um mercado de trabalho global, no qual a capacidade de inovar é cada vez mais valiosa e ainda assim os alunos têm de se preparar para uma avaliação e competir em igualdade de conhecimentos com todos que se inscrevem para o ENEM a nível nacional e não apenas local.

O ENEM foi aplicado em 2011 a 6.221.697 estudantes do país inteiro e dá a dimensão do abismo a vencer pelos inscritos. Desde que passou a fazer às vezes de vestibular em 2009, o Enem ganhou outro peso. Em 2011, cerca de 83 mil vagas em instituições públicas foram disputadas diretamente com base na pontuação da prova por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). A FUVEST, que seleciona para a prestigiada USP (Universidade de São Paulo) ofereceu 10.752 vagas para ingresso neste ano.

É importante ressaltar que nas últimas aplicações do exame, surgiram problemas. Em 2009, a prova foi furtada de dentro da gráfica em que estava sendo impressa. Em 2010, um erro gráfico e uma troca no cabeçalho dos gabaritos provocaram tumulto no processo e em 2011 algumas questões das provas foram aplicadas para uma turma de cursinho pré-vestibular em Pernambuco.

É um espanto o que ocorre com a educação brasileira refletindo em todos os sentidos o que também ocorre na sociedade. Dos 23.900 colégios públicos e particulares submetidos ao teste em 2010, não mais de 1.500 ou 6% da amostra – tem nível semelhante ao das escolas de países da OCDE (organização que reúne os mais ricos).

O ENEM trata de desmistificar uma ilusão que muitos pais cultivam ao matricular seus filhos em uma instituição privada – a de que eles ganharão um passaporte para o sucesso na vida adulta. As escolas mais caras, com uma excelente infra-estrutura e prédios maravilhosos muitas vezes oferecem na sala de aula qualidade equivalente à das escolas apenas medianas do mundo desenvolvido.

Neste sentido me reporto a Boaventura (2008), quando explica um dos conceitos centrais da epistemologia do Sul e diz: 

“como cada saber só existe dentro de uma pluralidade de saberes, nenhum deles pode compreender-se a si próprio sem se referir aos outros saberes com os limites e as possibilidades de cada saber residir assim, em última instância, na existência de outros saberes e, por isso, só podem ser explorados e valorizados na comparação com outros saberes”,

Provavelmente, é esta comparação que se faz ainda hoje entre as escolas brasileiras e as européias ou asiáticas.

Várias razões explicam este cenário da educação brasileira e se percebe quando observa-se que o ENEM não avalia o conteúdo específico da aprendizagem. Não verifica se o aluno aprendeu o que o currículo do ensino médio deveria ensinar. Isso tem a ver com o fato de que, no Brasil, nós não temos um currículo muito bem definido. Alguns países têm uma grade curricular muito mais estruturada. Os alunos, ao final do ensino médio, têm que saber determinados conteúdos de matemática, geografia, história, etc. No Brasil, isso não é bem delimitado. Temos alguns parâmetros curriculares, mas eles são muito vagos. E o ENEM não mede isso. Portanto, é impossível saber se os alunos estão aprendendo e o que eles sabem pois como diz Luckesi (2006) na maioria das escolas regulares não se pratica avaliação e sim exames

As ideologias culturais estabelecida nas redes ainda são de base conteudista e tradicionalista, exigindo muitas outras ações complementares para sua revisão e não apenas a adoção de exames de admissão às universidades com base em provas que exigem mais dos alunos. A forma de preparação desses alunos para esses exames e em especial para a vida, demanda a revisão de todo um modo de pensar, agir e realizar em educação que tem décadas de existência no país.

O Brasil ainda apresenta indicadores educacionais abaixo dos padrões internacionais e desde os anos 1990 o país tem procurado avançar na superação deste quadro, intensificando o esforço de universalização do ensino fundamental, deixando a inquietação sobre a educação passar dos educadores para os empresários, sindicalistas e profissionais de outras áreas que com a política econômica internacionalizada vê-se obrigada a adotar novas tecnologias na produção e na organização do trabalho, lançando mão dos avanços da microeletrônica e determinando novos perfis ocupacionais para os quais a escolaridade básica completa e de qualidade aparece como uma condição necessária, com desenvolvimento das habilidades intelectuais e do domínio dos conhecimentos científicos básicos para a inserção no mercado de trabalho de acordo com os novos padrões de desempenho e de produtividade.

É com esta política que o novo ENEM cria, por certo, demandas que não existiam. Obriga as escolas a repensar suas bases. Exige dos professores uma série de posturas que antes não lhes eram comuns, peculiares. Estipula a necessidade de leitura e atualização constante por parte dos estudantes e em contrapartida, pelos educadores com os quais estarão trabalhando. Propõe, através de suas questões, o desenvolvimento do raciocínio, da capacidade de se relacionar, da possibilidade de ir além da mera memorização de fórmulas e dados.

A interdisciplinaridade ou a multidisciplinaridade entra em cena com a necessidade de ir “além dos muros da escola” com viagens, leituras, filmes, exposições, músicas, poesia, artes plásticas, navegação por sites com conteúdo inteligente e desafiador, entre outras ações que se torna permanente.

Sobre o ensino médio pesa ainda um déficit de 40.000 professores, principalmente de matemática, química e física, segundo o MEC, e estas vagas são preenchidas com profissionais de outras especialidades ou que nem mesmo chegou à faculdade.

Observa-se aí a escassez de profissionais preparados para o ensino que chega a atingir escolas públicas e particulares levando ao professor deste lugar despejar muito conteúdo em pouco tempo para suprir todas as demandas exigidas pelo vestibular e agora pelo ENEM.

Percebemos, no entanto que falta contextualizar este ensino, e neste contexto trago para nossa realidade brasileira as palavras do filosofo francês Michel de Montaigne (1533-1592) que se preocupava com o ensino nas escolas de seu tempo e no período final da Renascença, quando ele dizia: “Uma cabeça bem feita vale mais do que uma cabeça cheia”.

Segundo Fogaça (1998), os maiores desafios ocupacionais são qualitativos, implicando a recuperação do sistema de educação geral como um todo, com ênfase especial no sistema básico regular, elevando sua qualidade, de forma a receber, reter e melhorar o fluxo de aproveitamento de toda população em idade escolar, não deixando de dar atenção às deficiências do trabalho pedagógico, observando a parcela de responsabilidade do próprio sistema educacional, principalmente a competência dos recursos humanos que o integram.

Alem disso, algumas indagações persistem ainda neste âmbito. A grade curricular, nos diversos níveis de ensino, é adequada? Os alunos aprendem mais hoje do que aprendiam no passado? Há, por parte das escolas, uma preocupação com a formação cidadã de seus alunos, no sentido de torná-los cada vez mais “socialmente inteligentes”? Ou as escolas estão preocupadas apenas em diplomar uma quantidade cada vez maior de pessoas, sem se preocupar com sua formação?

Citando novamente Luckesi,



A função da avaliação da aprendizagem é oferecer a todos os envolvidos no processo pedagógico a possibilidade de conhecer as amplitudes e os limites da aprendizagem do educando. Isso interessa ao educando, ao educador, à instituição de ensino. As escolas anunciam à sociedade que elas ensinam para que os estudantes aprendam. Então, isso deve ser cumprido e, para tal, a instituições tem que investir em condições e pessoal para o ensino. É estranho trabalhar para se obter insucesso. Isso é insanidade. Os resultados da avaliação interessam a todos na escola, tendo em vista o seu sucesso. Os exames escolares, muitíssimas vezes, são utilizados para expressar que o fracasso escolar representa uma “escola boa”. Diz-se: “Aquela escola, é boa porque aperta os estudantes”. Ledo engano. Uma escola é de boa qualidade porque os estudantes efetivamente aprendem.





Estas são preocupações que devem ser consideradas pela sociedade como um todo, pois, ter cada vez mais pessoas qualificadas não é suficiente para que a nação possa alcançar níveis satisfatórios de crescimento econômico e, consequentemente, se tornar mais desenvolvida.

Grande parte dos diversos trabalhos que tratam da educação no Brasil restringe-se aos aspectos quantitativos, sendo pouco discutidos os aspectos qualitativos. A eficiência do processo educativo deve ser preocupação dos estudiosos da área para que se possam corrigir as falhas no menor período de tempo possível, minimizando-se as conseqüências desastrosas.

Enquanto a maior preocupação da sociedade está na qualidade, de modo geral, o setor educacional visa à quantidade, tanto no privado quanto no público, haja vista o predomínio de metas quantitativas no próprio MEC.

Segundo Bourdieu (2002) no seu texto Sobre as Artimanhas da Razão Imperialista, “o imperialismo cultural repousa no poder de universalizar os particularismos associados a uma tradição histórica singular, tornando-os irreconhecíveis como tais”. No entanto, sabe-se que, nos países do primeiro mundo os níveis educacionais são mais elevados que nos países em desenvolvimento como o Brasil. Resta saber, portanto, o sentido da causalidade: são países desenvolvidos por causa do elevado grau educacional médio de sua população, ou devem o elevado grau educacional a seu próprio desenvolvimento?

Nota-se neste estudo da Portaria Normativa 16 no seu Art. 4º (2011). Quando cita que a certificação pelo ENEM destina-se, prioritariamente, às pessoas que não concluíram o Ensino Médio em idade apropriada, inclusive às pessoas privadas de liberdade e que estão fora do sistema escolar regular que, tal fato só ocorre na portaria uma vez que nesta prova de habilidades e competências que medem o preparo dos estudantes desde o 6º. Ano do ensino fundamental e possui três níveis de dificuldades, que a avaliação vem excluir cada vez mais o aluno que está fora da escola há muito tempo, os afros descendentes, os indígenas, os privados de liberdade, e os adultos, porque competirão em igualdade com os que estão saindo dos colégios particulares e de ensino regular que são treinados constantemente a encararem exames semanais como forma de verificação de conteúdos, habilidades e competências, o que não ocorre com os demais.

Para alguns o exame é considerado inclusivo porque nas Universidades Públicas da Bahia as notas do ENEM são utilizadas pelas Federais do Recôncavo e do Vale do São Francisco como única forma de ingresso, as vagas do bacharelado da Universidade Federal da Bahia também utilizarão a nota do ENEM, no Instituto Federal da Bahia 50% das vagas são destinadas ao ENEM, nas Estaduais 21% são com as notas do ENEM, e as particulares também aceitam a nota do ENEM. Mas quem é capaz de adquirir as melhores notas?

Se fizermos uma pesquisa minuciosa dos egressos nas faculdades, perceberemos que a grande maioria são provenientes de escolas regulares, com uma boa base educacional e neste ponto podemos lembrar Michel Foucault, quando no seu livro A Ordem do Discurso na aula inaugural no Collége de France, pronunciada em 02 de dezembro de 1970, fez a todos refletir sobre questões desafiadoras como a “verdade” e a relaçãopoder-saber”. (1983)

“o poder não é necessariamente repressivo uma vez que incita, induz, seduz, torna mais fácil ou mais difícil, amplia ou limita, torna mais provável ou menos provável.”

Além disso, o poder é exercido ou praticado em vez de possuído e, assim, circula, passando através de toda força a ele relacionada por isso nem sempre o que está escrito é o que realmente ocorre.

Analisando essas questões, suscitadas através das leituras, surgem indagações como: Onde está o poder? O poder  está em cada um de nós? O poder se apresenta “mascarado”? O “discurso” é um elemento do poder? Qual é o melhor resultado possível?

Através desses questionamentos, vale refletir sobre os discursos que estão em pauta no cotidiano, principalmente nas salas de aula. Que tipo de discurso ouvimos, falamos, ou repetimos? Nessa perspectiva, o perigo estaria na normatização do discurso, visto, assim, como um elemento do poder? Assim, a sociedade se torna normativa e disciplinada através da linguagem dos discursos que se proliferam indefinidamente.

Visto, por esse ângulo, o poder torna-se mascarado, não sabemos, na verdade, onde ele está. Um discurso libertador pode se tornar opressor. Os indivíduos vão “apreendendo” idéias e valores em nome de um discurso proferido como válido pelas famílias, pelas instituições (principalmente as escolares). Assim “esses discursos” pretendem incutir no homem o papel que ele precisa desempenhar na sociedade.

Nesse sentido, a vontade não é expressão do desejo do homem. Nossa vontade de verdade camufla nossos desejos. O que está em jogo é o “desejo” e o “poder.” O discurso mascara a verdade. O desejo do homem é escamoteado, surrupiado. O discurso que prevalece é do indivíduo que detém o poder, ou seja, o saber. Assim, como diz Foucault, “cada sociedade tem sua política geral da verdade”.

Os discursos políticos, educacionais, religiosos, terapêuticos não podem ser dissociados dessa prática que determina para os sujeitos que falam, ao mesmo tempo, propriedades singulares e papéis preestabelecidos. Discursos veiculados pela mídia têm legitimidade quando proferidos por governantes, médicos, advogados, executivos, economistas, professores, etc.

E a voz dos oprimidos? Quando será ouvida? Que prodigiosa maquinaria é essa que exclui aqueles que insistem em não ouvir os “discursos legítimosou não colocar em prática a  ordem advinda desses discursos?

Por isso quando se fala em avaliação ou exame deveria se pensar que ela serve à finalidade da ação, a qual está vinculada. Se estamos avaliando a aprendizagem, ela serve à busca do melhor resultado da aprendizagem que está sendo processada porque em síntese, avaliação tem como finalidade servir à ação, seja ela qual for; são os projetos de ação que buscam a construção de determinados resultados, a avaliação os acompanha, serve-os.

Sabendo que para obter certificação no nível de conclusão do ensino médio ou declaração de proficiência com base no ENEM, o interessado deverá atender aos requisitos de possuir 18 (dezoito) anos completos até a data de realização da primeira prova do ENEM, o que muitas vezes não ocorre e os responsáveis pelos menores classificados se valem do sistema jurídico do Brasil para entrar com pedido de liminar junto a Secretaria Estadual e assim obter a certificação uma vez que a lei deixa brechas quanto o que é maioridade e a escola se vê obrigada a acatar a determinação judicial mesmo não concordando.

A escola ainda deverá analisar na presença do candidato se ele atingiu o mínimo de 400 pontos em cada uma das áreas de conhecimento e o mínimo de 500 pontos na redação, caso tenha ocorrido de o candidato não alcançar este mínimo exigido em alguma área do conhecimento ele poderá se certificar se desejar submeter-se a avaliação de certificação para jovens e Adultos através da Comissão Permanente de Avaliação – CPA – nas Unidades Escolares do Estado da Bahia que estão aptas para certificar-los.

Porém a escola ainda não está preparada para a certificação através das áreas de conhecimento uma vez que o seu currículo é por disciplinas e se, por exemplo, o interessado não alcançar os 500 pontos mínimos exigidos em redação, mas, se aprovar com o mínimo de 400 na prova objetiva de linguagens códigos e suas tecnologias ele deverá se submeter à prova de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Redação uma vez que na CPA não existe apenas a prova de redação, mas ela é associada à Língua Portuguesa e Literatura devendo o candidato alcançar o mínimo de 5,0 (cinco) pontos nas 20 questões objetivas mais a redação.

Criado em 1998, durante a gestão de Paulo Renato de Souza no Ministério da Educação, o Enem foi e continua sendo objeto de muitas críticas. A exemplo dos demais indicadores da educação, ele também não é visto como um metro confiável. Questiona-se, sobretudo a sua capacidade de medir a qualidade das escolas, uma vez que seu objetivo é avaliar alunos. Surgem também questões sobre a elaboração das perguntas nas avaliações como em 2009 que aparecia uma pergunta questionando a existência de Deus, em 2010 que a homofobia é a rejeição e menosprezo à orientação sexual do outro.

Se há uma conclusão que se pode extrair do Enem é que a rede pública comum de ensino não tem conserto caso continue no ritmo em que se encontra hoje – obrigada a aceitar todos os tipos de alunos e a não exigir nada deles. Ou se resgata ao menos a disciplina nas escolas públicas comuns, ou não há a menor chance de que elas venham a se destacar em avaliações como Enem. E não basta exigir do diretor que salve a escola com sua gestão; é preciso resgatar valores como mérito e disciplina, que não foram apenas esquecidos nas escolas públicas – foram simplesmente proibidos.

Ora, se é uma insanidade comparar escola pública com escola privada (e, em parte, é), também é insano cobrar do professor da rede pública que ele faça milagre, ensinando com eficácia alunos muitas vezes incapazes de aprender. E quando se trata do ensino médio, o fosso entre escolas públicas e privadas tende a ser ainda maior. Se no ensino básico, como o próprio nome diz, trata-se de ensinar o que é comum para todos, no ensino médio a escola já se defronta com exigências sociais mais complexas, como preparar o adolescente para a universidade ou para uma profissão. Nesse caso, disciplina é fundamental, mas não basta. A escola precisa de estrutura, sobretudo para o ensino de ciências, que tende a ser improdutivo se ficar no discurso e na cópia. Talvez por isso, as piores notas do Enem são justamente nas provas de ciências da natureza, especialmente nas escolas públicas comuns (nem técnicas, nem de universidades), onde os laboratórios são quase inexistentes.

Muitas vezes acredito que o Enem, não parece um exame para avaliar a qualidade do ensino e, sim, uma ficha de filiação partidária. O Enem é flagrantemente ideológico e obriga o aluno a ver o Brasil com os olhos da esquerda. Essa afirmação exige uma análise detalhada de suas provas – papel que caberia às universidades. Mas como elas não têm isenção ideológica para tanto, esse papel acaba recaindo sobre os ombros de uns poucos indivíduos independentes.

Concluo com o que diz o jornalista José Maria e Silva do Jornal Opção:

“Adianto que as provas de ciências humanas do Enem – complexas no método e na forma, mas vazias no conteúdo – praticamente obrigam o aluno a pensar como o MST, a acreditar que a mais grave doença atual é a homofobia e a reduzir a história do Brasil à luta de classes, em que uma burguesia sádica explora por prazer um proletariado idílico. Felizmente, a disciplina cognitiva e moral de muitos alunos conseguiu vencer uma ideologia disfarçada de ciência, que, mais do que atrapalhar o aprendizado, inviabiliza o próprio aprendiz”.

BIBLIOGRAFÍA

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FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso.  São Paulo: Edições Loyola, 1996.



FREIRE, Paulo. 2000, Pedagogia da autonomia: saberes necesarios à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.

LUCKESI, Cipriano Carlos. A base ética da avaliação da aprendizagem na escola. Entrevista publicada na Folha Dirigida, Rio de Janeiro, Edição nº 1069, de 06/10/2006, no caderno “Aprender”, pág. 9

MACHADO, João Luiz de Almeida. O novo Enem revoluciona o Ensino Médio? www.planetaeducacao.com.br , 2010



MARTINS, Henrique Cordeiro. CONTRAPONTO: O Enem avalia o aluno? Hoje em Dia, 08/02/2010



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SANTOS, Boaventura Sousa. A filosofia à venda, a douta ignorância e a aposta de Pascal. In Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, Março 2008: 11-43



SILVA, José Maria e.  Jornal Opção, de Goiânia, em 18 de setembro de 2011



SILVA, Fábio Souza da. O Enem e a Interdisciplinaridade no Ensino da Matemática. UGB – 2009


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